Albacora é um tipo de atum, um dos mais valiosos dos peixes oceânicos para a industria pesqueira internacional. No entanto, entre os militares brasileiros “Albacora” é o nome código de um imenso exercício militar conjunto, coordenado pela Marinha do Brasil e com a forte participação do Exercito e da Força Aérea.
Exercícios militares combinados são do tipo onde a Marinha do Brasil, o Exército e a Força Aérea trabalham de forma integrada para realizar uma missão de guerra que se configura ampla demais para ser realizada com sucesso por qualquer uma das três forças isoladamente. Historicamente, percebemos que as forças armadas pelo mundo se especializaram continuamente ao longo do Século XX, cada uma ficando cada vez mais competente individualmente. O lado negativo deste processo, é que a guerra moderna é grande e complexa demais para ser contida perfeitamente dentro da área prioritária de atenção de qualquer uma das forças. Por isso, as três forças tem que saber como trabalhar de forma integrada tomando muito cuidado em não expor seu pessoal a trágicas situações de “fogo amigo”, aqueles casos onde forças aliadas acabam mortas, inadvertidamente alvejadas em função de erros de avaliação tática, ou de comando e controle. Isso ocorre geralmente pela falta de procedimentos eficientes de troca de informações em tempo real no próprio campo de batalha.
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Com a criação do Ministério da Defesa no Brasil em 1999 este tema de “operações combinadas” emergiu rapidamente como uma das maiores prioridades para o treinamento e adestramento das forças armadas brasileiras. Além da Operação Albacora, que pratica a defesa da Amazônia Azul, existem outras operações combinadas regulares em curso no país como a Ajuricaba e a Timbó, ambientadas na Amazônia, e a Charrua e Pampa que são realizadas no sul do país.
Muito provavelmente, os maiores desafios das operações conjuntas residam no ponto mais alto da cadeia hierárquica, a área de Comando e Controle, especialmente na área de planejamento da operação e da logística combinada.
O comando das missões combinadas contam com um Estado Maior Conjunto, integrado por oficiais graduados das diversas forças. Estes comandantes são profundos conhecedores das capacidades e limitações de suas forças, e por isso conseguem montar o melhor plano de emprego das forças numa operação combinada. Mas esse planejamento não é nada simples quando se emprega um grande numero de unidades militares e se depende do preciso posicionamento e movimentação de dezenas de milhares de militares participantes, tudo num período de poucos dias. A Operação Albacora é um exemplo perfeito disso tendo ocorrido inteira em apenas 10 dias, entre 12 e 21 de setembro de 2007. No total, mais de 8800 militares participaram das diversas fases desse exercicio. Cada uma das forças participantes conta com seu próprio comando individual, que é subordinado ao Comando da Operação, neste caso sob a Responsabilidade do Chefe do Comando de Operações Navais,
Almirante-de-Esquadra Carlos Augusto Vasconcelos Saraiva Ribeiro.
A Operação Albacora não pretende, de maneira alguma, reproduzir uma guerra real, com todas suas complexidades e variáveis, a idéia maior é produzir ima série relativamente solta de eventos conjuntos, que forcem os planejadores a integrar todos os elementos das diversas forças em uma única estrutura militarmente efetiva.
Existe sim, é, uma tema que integra todas as necessidades operacionais para que os militares participantes possam entender seu exato papel dentro desta grande engrenagem.
O cenário fictício envolve um pequeno país, rico em petróleo, chamado de “Escarlatéia”, que é ameaçado e eventualmente invadido por seu vizinho maior e mais problemático. Para proteger a liberdade da população as tropas azuis se movimentam para reestabelecer o “status quo” na região. Com este cenário, a Marinha do Brasil ambicionou propor uma situação que fosse possível e ao mesmo tempo soasse realistíca para os comandantes participantes. Um dos objetivos testados desta vez foi a da retomada de uma das plataformas de petróleo offshore localizada no litoral do Estado do Rio, próximo à cidade de Campos. Uma proposta muito real tendo em vista o recente anúncio da descoberta do “Tupi “, um mega-campo de petróleo e gás na Bacia de Santos.
Além da retomada da plataforma, os principais pontos desta “campanha”militar complexa se espalharam do norte da costa do Estado do Rio de Janeiro até o sul do Estado do Espírito Santo. Foram eles:
a) Sexta feira, 14 de setembro: 1ª abicagem do NDCC Mattoso Maia em Itaóca deixando os Fuzileiros Navais e seus blindados e veículos
b) Sábado, 15 de setembro: Embarque do 15° R C Mec em Mocanguê
c) Sábado, 15 de setembro: Assalto Aero-terrestre – C-130 dos Afornsos
d) Domingo, dia 16 de setembro: Assalto Aero-móvel com os Panteras e Esquilos da aviação do EB
e) Segunda-feira, dia 17 de setembro: Segunda abicagem do Mattoso Maia, desembarque do 15° R C Mec em Itaóca
f) Quarta-feira, dia 19 de setembro: Terceira abicagem e recolhimento dos homens e veículos dos FN e do EB.
O primeiro “cruzeiro” do 15° R C Mec |
O termo “operações combinadas” em si, já pressupõe a possibilidade de compartilhamento de meios de cada força em benefício das demais. A FAB, há anos que realiza o transporte e lançamento de pára-quedistas do Exército, através de uma unidade dedicada a esta função o 1° Grupo de Transporte de Tropas baseado por esta razão mesma, no Campo dos Afonsos, ao lado da Vila Militar, onde justamente ficam instalados os homens da Brigada Pára-quedista. A Marinha, ao contrário, nunca teve um histórico de transportar tropas do Exército, muito menos em exercícios. Seu foco sempre foi limitado a transportar, acomodar e desembarcar os infantes e blindados dos Fuzileiros Navais, desde seus navios em cenários de guerra primordialmente anfíbios.
Num exercício conjunto realizado em outra ocasião, uma unidade de infantaria do EB foi embarcada, e transportada até um porto localizado no hipotético “Teatro de Operações”. Como um passo adicional nesta integração, foi decidido que, nesta Albacora, uma unidade de Cavalaria Mecanizada seria embarcada na Base Naval de Mocanguê e pela primeira vez na história, seria desembarcada numa cabeça-de-praia. A honra de assumir esta missão pioneira coube ao 15° Regimento de Cavalaria Mecanizada (Escola) sob o comando do Ten-Cel Julio César Turatti. Esta unidade apóia as escolas do EB no Rio de Janeiro, realizando exercícios e demonstrações para os alunos. O 15° R C Mec é subordinado ao Grupamento de Unidades-Escola-9ª Brigada de Infantaria Mecanizada, junto com as demais Unidades-Escola do Exército Brasileiro.
O 15° R C Mec é relativamente novo nesta função de Unidade escola, pois, somente em abril de 2007 é que eles substituíram o antigo RESC , Regimento ESCola, que passou a ser então denominado por 2° Regimento de Cavalaria de Guarda. Os veículos deixaram seu quartel em Realengo às 7h40 da manhã e seguiram pela Av. Brasil e pela ponte Niterói a uma média de 50 Km/h, em comboio, antes mesmo do trânsito normal do dia começar a tomar corpo. Segundo o Ten-Cel Turatti; “ A nossa unidade teve três meses para se preparar para este exercício”. Para efeitos de planejamento foi programado o emprego de todo o regimento. Porém, por questões de economia, eles trouxeram apenas 1/3 deste efetivo: o seu Estado Maior. acompanhado de um Esquadrão de Cavalaria Mecanizada composto de uma seção de comando e de dois pelotões de Cavalaria Mecanizada.
O 15° RC Mec embarcou no NDCC Mattoso Maia 21 veículos e 95 militares, outros 37 homens, do 3° Pelotão empregado, foram enviados a Macaé por terra para participar de do ataque ao Porto de Macaé, outra atividade importante prevista dentro da Operação Albacora. Para a Base Naval do Rio de Janeiro na Ilha de Mocanguê, foram trazidos cinco Veículos Blindados sobre Rodas Engesa EE-9 Cascavel e três Veículos Blindados de Transporte de tropas Engesa EE-11 Urutú, sendo que um destes estava configurado para unidade de posto de comando tático do Regimento. Adicionalmente, embarcaram aqui seis jipes de ½ tonelada Xingú da Bernardini/Toyota, três Land Rovers, três caminhões Mercedes de 5 toneladas e uma ambulância Toyota.
O Navio deDeesembarque de Carros de Combate Mattoso Maia havia acabado de retornar naquela mesma noite da área de Itaóca após haver desembarcado as unidades precursoras do desembarque, formadas por unidades dos Fuzileiros Navais. Às 10:30 da manhã os veículos do EB já estavam posicionados em duas filas junto ao píer aguardando o posicionamento da rampa de proa do navio. Para identificar de que pelotão cada veículo era parte, marcas características foram feitas nos capôs com fita gomada. Na semana anterior um grupo do Regimento tinha visitado o navio para ser brifado sobre os procedimentos de embarque a bordo e sobre a ordem ideal de entrada, tendo em vista a ordem desejada de desembarque na praia. Houve um pequeno atraso derivado variação da altura dá maré, mas logo os veículos começaram e escalar a rampa. O espaço no píer era estreito e o primeiro caminhão teve alguma dificuldade em girar os 90° à direita para poder colocar os dois pneus dianteiros sobre a rampa, garantindo a perfeita tração. Mas com o auxilio do pessoal do navio, essa situação foi devidamente contornada e os demais veículos menores seguiram sem problemas. No interior da “Garagem” do Mattoso, existe uma plataforma giratória que roda os veículos em 180°, de maneira que eles fiquem estacionados apontados para a saída, e que não seja necessário, lentos e perigosos processos de manobra dos carros de combate durante os embarques. Por último, os homens do EB se perfilaram na base da rampa para documentar esse momento histórico e em seguida marcharam navio adentro. Poucos minutos depois a rampa foi elevada até cerca de 0° de inclinação e o navio novamente partiu em direção à costa do Espírito Santo.
Ao largo da costa capixaba já se encontrava o Grupo Tarefa com os navios anfíbios: o NDD Ceará, com um par de helicópteros CH-14 Super Puma, o NDD Rio de Janeiro, levando dois SH-3 Sea King que foram usados para lançar as forças especiais. O NDCC Mattoso Maia, por sua vez levava os veículos e o NTrT Ari Parreira carga e pessoal. Duas corvetas estavam próximos destes navios, a Jaceguai, e a Inhaúma, como forma de garantir sua proteção. Mais para longe da costa, estavam as demais fragatas que completavam a força de escolta.
Os PQDs e as demais operações da FAB |
A Aviação de Transporte da FAB teve um papel importante, carregando desde a Base Aérea dos Afonsos, os C-130H Hercules da FAB que cheios de combustível e com os motores girando carregaram cerca de 300 homens da Brigada Para-quedista para lançar eles numa localidade bem afastada da praia de Itaóca. No chão, estes homens se juntariam ao restante dos militares do 15° R C Mec que seguiram por terra e aos Fuzileiros navais para compor a “Força Itaóca” um grupamento que teria a função de recuperar aquela área às tropas inimigas. Houve três vôos pela manhã levando as tropas para aquela região. Por questão primariamente de segurança, devido ao mau tempo reinante na ocasião foi decidido adiar o salto em alguns deles para o período da tarde.
Durante a Albacora a FAB desdobrou alguns F-5 Jambocks da Base Aérea de Santa Cruz para operar desde a Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia, sua missão era a de manter a superioridade aérea aliada sobre a cabeça de praia. Nesta base da aviação da Marinha também operaram, durante todo o período, os P-95 Bandeirulha do 4°/7°GAv Cardeal, e os R-99 do 2°/6° GAv, o Esquadrão Guardião. Os helicópteros Esquilos e os Super Tucano A-29, apoiaram os pesados CH-34 Super Puma nas missões de Combat SAR. Essa é a importantíssima atividade de resgate de pilotos abatidos atrás das linhas inimigas.
O Assalto Aero-móvel da AvEx Contra o Porto de Macaé |
A Albacora marcou também a primeira participação das forças aero-móveis do Exército em operações combinadas. Os militares da 12ª Brigada de Infantaria Leve, que inclui o 5° Batalhão de Infantaria Leve (5°BIL), são especializados no função de Assalto Aero-móvel, ou em bom português, o ataque de infantaria montada em helicópteros. Neste caso, o cenário da missão definia que o Porto de Macaé estava sob o controle de unidades inimigas e que deveria haver um ataque de tropas amigas para desaloja-los.
As primeiras aeronaves do Exército, um HM-1 Pantera e um HA-1 Esquilo, deixaram sua base em Taubaté no dia 14 para São Pedro da Aldeia, onde eles seriam baseados pelos próximos dias. Os aviadores do EB conhecem bem a Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia, uma vez que, regularmente, eles vêm aqui para realizar treinamento de vôo em baixa altura. Estas duas aeronaves, pouco após chegarem, partiram novamente, desta vez com os responsáveis pela Seção de Operações do 5ª Batalhão de Infantaria Leve e do Estado Maior da 1ª Divisão de Exercito para um vôo de reconhecimento da localização do ataque a ser realizado dois dias depois. No dia 15 chegaram mais quatro Panteras e um Esquilo de Taubaté. E logo após sua chegada, um HA-1 e dois HM-1 levaram um pelotão de reconhecimento do 5° BIL para ser infiltrado no Porto de Macaé. No dia seguinte, numa imagem que poderia facilmente lembrar a antológica cena do filme “Apocalipse Now” de Francis Ford Coppola, seis HM-1 Pantera, escoltados por dois HA-1 Esquilo, desfecharam o ataque aero-móvel contra o Porto. Uma vez reconquistado o objetivo, as demais tropas da Força Combinada Macaé que estavam do lado de fora do porto puderam se juntar aos militares do 5° BIL. No dia seguinte, todas as aeronaves retornaram a Taubaté, após mais uma missão bem sucedida.
O grande palco da Albacora, no entanto, foi o campo de exercícios da Marinha do Brasil no Sul do Espírito Santo, a Praia de Itaóca. O exercício se ambientou num grande triangulo delimitado pela cidade de Rio Novo do Sul, no interior e, na costa, a foz do Rio Itapemirim, ao sul, e a cidadezinha de Itaipava ao norte. O responsável pela operação em Itaóca foi o Vice-Almirante Stingelim, Comandante da Força de Fuzileiros da Esquadra (ComFFE). No papel de Figurativo inimigo (FigIn) estava uma Companhia de Fuzileiros armada com blindados, morteiros e canhões anti-aéreos. Nesta ocasião os inimigos simuladamente operavam os sistemas anti-aéreos transportados em veículos do tipo
SPYDER (
S urface-to-air
PY thon and
DER by) da empresa israelense Rafael.
A primeira atividade militar na região consistiu do desembarque da “Força Combinada de Operações Especiais” composta por elementos da Brigada de Operações Especiais do Exército, por militares do Parasar, da FAB e do Toneleiros dos Fuzileiros Navais. Os UH-14 e SH-3 decolaram dos navios fundeados e inseriram estes militares na Zona de Desembarque “Robalo”, um ponto localizado bem no meio da região controlada pelo inimigo.
Desde nossa última passagem pelo campo de Itaóca percebemos uma grande novidade: a grande tenda climatizada semi-cilindrica do Posto de Comando foi substituída por um grande ambiente fechado, modularizado, feito de conteineres de aço interligados e capaz de acomodar até 15 militares. Originalmente, esta estrutura era um hospital de campanha que voltou com os Fuzileiros da Missão de Paz da ONU realizada em Angola. Durante algum tempo ela apoiou as funções de saúde da Força de Fuzileiros da Esquadra, até que uma construção pré-fabricada da empresa italiana Corimec (http://www.corimec.com ) substituiu estes containeres e eles puderam ser enviados para sua nova função em Itaóca. Os containeres são divididos em três áreas separadas. A primeira apresenta uma mesa de reunião/briefing com cadeiras e um projetor de LCD/Datashow preso no teto. A seguinte é onde fica o Controle Operacional, os membros do Grucon, o time que avalia o progresso do exercício. Cabe a eles fazer os relatórios que posteriormente serão usados para avaliar cada fase do exercício. Os operadores, aqui, estão conectados 24 horas por dia, via satélite, no SISCOMIS, o Sistema de Comunicações Militares do Brasil. Aqui também existe um terminal de Guerra Eletrônica, monitorando todas as transmissões dos participantes do exercício. No outro extremo deste ambiente, existe uma área segregada com paredes e porta onde ficam os técnicos de software e hardware que mantém os sistemas usados pelo Grucon, este cubículo também pode ser usado, excepcionalmente, para reuniões menores dos membros do Grucon.
Nossa visita ocorreu na segunda-feira dia 17, o dia do desembarque dos homens e veículos 15° R C Mec na Praia de Itaóca. Dois dias antes, a tropa dos Fuzileiros Navais já havia desembarcado do Mattoso Maia, no seu primeiro abicamento, e tinham conseguido tomar a praia, se deslocando para o interior do terreno e se ocultando ao longo das estradas vicinais.
A unidade do EB tinha como missão ultrapassar os Fuzileiros e conquistar o terreno adiante, eventualmente se encontrando com os para-quedistas lançados na antevéspera pelos Hércules da FAB.
Uma Introdução ao “Mundo Combinado” - Entrevista com o Contra-Almirante (FN) José Henrique Salvi Elkfury – Comandante da Tropa de Reforço dos Fuzileiros Navais
A Marinha está sempre estudando a doutrina, os meios e a tecnologia para estar, sempre, dentro do ambiente “combinado”, que é esse ambiente da guerra contemporânea. Então a Marinha vê, não como problema, mas como um caminho natural, a busca de uma integração com o Exército e com a Aeronáutica. Essa integração, na realidade, não significa... as vezes, tem gente q fala em “integração” e pensa imediatamente em “padronização”, em “misturar forças”... Não é isso! Cada força tem suas tarefas específicas, tem seus ambiente operacional específico, tem seus vetores/sistemas de armas, que lhes são específicos. [Isso] é o que caracteriza essa especificidade, [a individualidade] que a cada força precisa ter. Ocorre que estes meios/vetores precisam ser interoperáveis, Então pra nós, na “integração”, mais importante que o uniforme ser igual, ou que o equipamento de comunicação seja o mesmo, mais importante que isso, é que eles têm que ser interoperáveis. Se nós raciocinarmos em termos de alguns equipamentos, é natural que haja uma busca de “padronização”. As três forças usam helicópteros, mas cada um usa o helicóptero na sua especificidade, apenas a Marinha precisa de aeronaves que possam pousar, operar desde navios. A Força Aérea, por exemplo, não tem esta necessidade. Se um helicóptero atende às diversas necessidades de cada uma das forças, faz muito sentido que usemos a mesma aeronave. O mesmo temos com o Exército em termos de blindados, mas como o nosso blindado [sempre] chega à área de operações, embarcado, o blindado dos Fuzileiros tem que caber dentro do nosso navio NDCC. Nos EUA é diferente, eles definem o blindado que desejam, e em seguida projetam uma classe de navio capaz de transportar aquele blindado. No nosso caso, o navio já está aí, e ao comprarmos o blindado é indispensável que ele, antes de qualquer coisa, caiba dentro do navio existente.
O termo mais importante no nosso caso, nesta situação é “interoperabilidade”, muito mais do que “integração”. [Este é um dos bons] frutos da criação do Ministério de Defesa em 1999. um maior estímulo para a busca da interoperabilidade, para a realização destas missões conjuntas, combinadas. [Daí veio a ]criação de um Estado Maior de Defesa, que é combinado, e que começou a planejar as operações de forma combinada e a gerar novas operações combinadas.
P.: Quais as maiores implicações da realização de operações combinadas pelas forças armadas brasileiras e como se dividem as várias camadas de autonomia e o poder de decisão?
R.: As Operações Combinadas são uma realidade da guerra moderna. Para que elas ocorram, é indispensável uma grande atenção as questões de Tecnologia, Comunicações e de Armamento. Os ambientes Terrestre, Marítimo e Aéreo, em termos de guerra, não existem mais isolados. Apenas pode acontecer que um deles seja mais preponderante que o outro, em cada caso. A Marinha do Brasil gasta muita energia estudando o ambiente da guerra moderna e ele aponta inequivocamente para as operações combinadas. Mas a “operação combinada” não quer dizer que cada força não tenha ainda suas tarefas, vetores e especificidades característicos.
Os meios passaram a ser interdependentes, e o mundo “combinado” começa já dentro da tarefa de Comando e Controle e na busca de uma linguagem, doutrina e logística padronizada, o que é algo natural. As “operações combinadas” nascem sempre no Ministério da Defesa, dentro do Estado Maior da Defesa.
Sobre as camadas de decisão, o nível mais alto da condução da guerra, é o Político, nele está o Presidente da República, assessorado pelo Conselho Militar de Defesa. É aqui onde são expedidas as diretrizes operacionais que ativam um Comando Combinado.
Em seguida, vem o nível Estratégico, em que o Ministro da Defesa interage com o Estado Maior da Defesa, é onde de criam e são implementados os planos de níveis estratégicos, de acordo com as diretrizes recebidas do nível superior e também de acordo com as hipóteses de emprego e da experiência anterior em exercícios que provaram estas situações. Ao material recebido se agregam mais dados, e informações que são passados aos Comandantes da Forças para que eles possam se preparar adequadamente para implementar as ordens. Nesse ponto já é definido qual das forças terá o comando desta operação. Essa decisão leva em conta o ambiente onde se espera que se de a guerra. Se for um ambiente preponderantemente marítimo, a Marinha indicará o comandante, se for terrestre o Exército, e assim por diante.
O “andar” seguinte é o Operacional, onde o Comando Combinado, ou Comando de Teatro de Operações, que monta e realiza os planos de Campanha. É o Comandante da Força responsável que designa o Oficial General com as características necessárias para assumir a operação. Este, por sua vez, mobiliza seu Estado Maior Combinado para coordenar as unidades, tropas e meios materiais alocados à missão. Neste nível é que se define com precisão a configuração de forças a serem aplicadas neste caso.
Finalmente, no nível tático, as Forças Tarefas desdobradas, com o apoio dos Comandantes da Forças Componentes realizam a operação militar no Teatro de Operações. No dia a dia os cenários táticos são descritos primariamente para ação combinada, voltando-se para minimizar o risco de mortes por fogo amigo.
P.: Como funciona o Sistema de Comando e Controle Militar no Brasil?
Cada nível descrito anteriormente, tem seu próprio sistema de Comando e Controle, recebendo informações dos níveis mais baixos, consolidando e alimentando os de nível mais elevados de C 2 . Existe, por exemplo, dentro do Ministério da Defesa um órgão chamado de um Centro Operacional do Comandante Supremo, também identificado pela sigla CC 2 CS. É nele onde as informações geradas dentro dos Sistemas de Comando e Controle das três armas são consolidados, organizados e apresentados ao Presidente da República para que ele em caso de paz, calamidade, crise ou guerra, possa tomar as decisões de alto nível que movimentarão as diversas OMs em direção à proteção do Brasil e dos brasileiros.
Abaixo do CC 2 CS, no Nível Operacional, dentro do Estado Maior da Defesa, se usa o Siplom, ou Sistema de Planejamento Operacional Militar, para acompanhar o nível de aprestamento de cada OM e para controlar diretamente os meios militares desdobrados.
Para Comando e Controle, a Marinha tem seu sistema próprio chamado de “CARTA”, o Exército usa o “C2 em Combate” e a FAB se apóia no “Hércules”. Cada um destes softwares foi desenvolvido independentemente para apoiar a capacidade decisória dos comandantes das forças. Hoje, eles alimentam, via transferência de dados de informações, os bancos de dados do Siplom. Nos níveis mais elevados, Estratégico e Operacional, a solução de C2 esta bem montada, o desafio maior, na realidade, é justamente no âmbito tático, especialmente com os datalinks de tempo real entre aeronaves, navios, veículos e postos de comando.
P.: Como está a padronização de comunicações nas nossas FFAA?
Atualmente, os rádios usados em cada força são de origens diferentes, e por isso, não conseguem fazer transmissões criptografadas entre si. Esse é um problema que já foi identificado e estamos trabalhando para corrigir. Existe um Grupo de Trabalho no Ministério da Defesa incumbido de chegar num sistema tático de enlaces de dados, ou SISTED, que permitirá o intercâmbio de dados entre aeronaves, navios e carros de combate, indistintamente. Mas esta não é uma questão meramente tecnológica, as próprias mensagens trocadas entre os várias unidades, têm que ser padronizadas, hoje as três forças muitas vezes falam “línguas diferentes”, e isso não pode ser. Em 2005 foi constituído um Grupo de Trabalho para atacar esse problema. No ano seguinte o conceito foi fechado, em dezembro deste ano, finalizou-se uma arquitetura única, em 2007 estamos na fase de detalhamento de todo esse programa, apresentando os prazos e custos envolvidos. Aqui na Albacora, a força que desembarcou com o EB, já está usando comunicações seguras, e isso já é um grande passo.
Na Albacora todo o planejamento foi feito usando o Siplon e estamos trabalhando para ter “palmtops” que tenham enlaces de dados conjuntos, como forma de disseminar a informação tática em tempo real. Tal solução é percebida como critica para a implementação de um sistema moderno de Combat SAR no Brasil.
Neste exercício, os Fuzileiros Navais operaram um aeromodelo teleguiado com motorização elétrica e capaz de capturar imagens e transferir elas, em tempo real, para uma unidade de observação e captura de imagens a bordo de um Toyota Bandeirantes comum. O avião de radio-controle é o primeiro passo numa iniciativa que culminará com o uso corriqueiro de plataformas autônomas de observação de porte maior. A preocupação dos Fuzileiros é a de adentrar esta nova área para poder aprender as dificuldades e riscos embutidos nesta operação. O modelo atual é movido por baterias semelhantes às usadas nos telefones celulares comerciais. Para reabastecê-las, a própria bateria do Toyota é usada.
O objetivo primário deste sistema é obter a “visão além do próximo morro”, nada muito mais exigente que isso. A câmera a bordo produz uma imagem preto-e-branco e uma unidade de rádio transmite o stream de vídeo para uma antena montada do lado de fora do carro. O sistema exibido em Itaóca tinha dois “terminais”, um na traseira do Toyota com um gravador, e outro numa pequena caixa, operado remotamente no fim de um longo fio coaxial de áudio/vídeo. Esta telinha, colocada dentro da caixa robusta para transporte permite ao “piloto” uma visão mais clara do que se encontra adiante do aeromodelo. A estrutura é de espuma e o exterior é de fibra de vidro. Os winglets são removíveis em terra e a asa voadora é transportada numa sacola de nylon feita especialmente para ele. O motor usado atualmente ainda não é forte o suficiente para vencer ventos mais fortes, assim, foi necessário adicionar um novo conhecimento de meteorologia à unidade, para saber antecipadamente as surpresas que os ventos trarão para a próxima missão. Com vento contrário, a aeronave pode não conseguir chegar à área de observação ,ou mesmo não conseguir retornar de lá. Apenas dois veículos aéreos foram trazidos até o Espírito Santo, outros ficaram no Rio. O lançamento destas asas voadoras é feita manualmente, e a recuperação, sempre que possível, também. Quedas e pequenas colisões são inevitáveis, por isso os veículos apresentam muitas “cicatrizes” na sua fuselagem e asas. Esta foi uma iniciativa de “muito baixo custo” que deve deixar muitas lições valiosas aos Fuzileiros, preparando-os para aeronaves mais inteligentes e polivalentes que certamente virão no futuro.
A Albacora introduziu muitas novidades, filosóficas, operacionais e tecnológicas, isso pavimentou o caminho das nossas forças armadas em direção a uma realidade de operações combinadas. A cada ano as operações passam a ser cada vez mais complexas e desafiadoras, e, neste caminho, as nossas forças deixam para trás seu histórico de planejamento e operação isolados e mais e mais, se integram uma com a outra. No momento em que os brasileiros, via a imprensa, se conscientizam da importância e do tamanho das nossas riquezas localizadas sob o mar, como o petróleo e o gás natural, por exemplo, fica claro que haverá ainda maior apoio para que nossas forças armadas possam se reequipar e também realizar, de forma combinada, a proteção desta riqueza.