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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

MESTRES, segue o texto para o blog frances e outros...

Para aqueles que não leram, está no almanaque I do Grafonsos..............................

Homens do Grafonsos, a saga do Condor.
 
Sérgio de Mello Queiroz – Pqdt 38.937
 
 
Capitulo I
 
Amanheceu...
 
 
          O pior momento de minha vida.
          Retornar, viver o que há muito já pensei que estivesse morto, descobri... apenas adormecido.
          Quando recebi o e-mail de Freire convocando a todos para a missão “Sete de Setembro”, como ele mesmo denominou, comecei a tremer e meus olhos se encheram de lágrimas. Eu, novamente, ia ostentar a minha velha e esquecida boina, que deixara de lado por vergonha, pois aqueles que desconheciam o seu valor caçoavam e me chamaram de “louco”, de “tarado” e pior, de “velho”. Velho, eu? Quem dera estivesse acordado antes, ter assumido minha condição de reservista, pois o pobre de meu Diploma de Mérito, assinado por meu comandante, qual está assim expresso: “Para que sejais útil à Pátria, deveis manter, como cidadão, comportamento semelhante ao que mantiveste como militar”. Pobre dele, jogado em meio aos papéis velhos, dentro até de uma antiga gramática, ou, quem sabe, em meio a um dicionário Aurélio...
          Mas, depois do Freire, vi que deveria buscar os meus mimos, minhas lembranças, meus registros fotográficos, ah! Isto sim! Qual pára-quedista não se encheu de fotos do Soares, fotógrafo que esperava pelos nossos momentos de vaidade e click! Risos...
 
 
Capitulo II
 
A odisséia
 
          Lembrei de tudo, de todos aqueles irmãos, que, naquela manhã de agosto, em pleno processo de alistamento obrigatório, eram os anos de 1973, a ditadura comia solta, Geisel seria o nosso possível Presidente; contudo, havia as mãos do Médici. Tinha apenas 18 anos, um pisciano, tranqüilo, havia de se alistar para o NPOR, diziam eles para ser Oficial do Exército, temporário, mas algo naquele dia me ocorreu. O Sargento que estava datilografando, em folha carbonada, meus dados, ostentava no peito uma asa branca, perguntei a ele o que era, disse-me: “sou pára-quedista militar e este é o brevê de PQD”. De pronto, passei a ser eu o interrogador, pois, sim, aquele sargento trazia para mim as informações mais precisas até aquele momento, pois estava eu me alistando, por força de lei, e sequer sabia por que o Brasil precisaria de mim. Motivei-me, pedi a ele para me inscrever naquela força, ele me censurou: "Tu vais deixar de ser tenente para ser soldado?" Eu lhe respondi: “Quero ser um pára-quedista!” Com aqueles olhos azuis, feições rosadas, o militar se levantou e eu o vi por inteiro. Estava calçando uma bota de cor marrom, quase ao vermelho, em um fardamento que brilhava de tão gomado, colocou aquilo que seria a mais bonita peça de fardamento que já vi em toda a minha vida... uma boina grená francesa, dizia ele, mas com as cores do sangue... da Vitória! Ele perguntou meu nome e disse: “Guerreiro, terás a vida que nunca quiseste, terás o sofrimento que nunca pediste, haverás de trocar seus amigos e familiares por seus companheiros, tens certeza de que é isto que queres?”. Respondi, até de forma assustadora ao sargento: “Senhor, não está aqui?” Ele sorriu e me levou a uma sala, onde estavam mais alguns piás, todos de minha idade e tão assustados como eu, começara ali minha odisséia, meu caminho.
          Houve novos e mais rigorosos exames, depois de terminado, marcaram para o mês de outubro, exatamente no dia 15 de outubro, os exames físicos que eram: subir uma corda com 6m sem o uso dos pés, fazer barras, flexões, abdominais, correr e saltar... Passei naquele momento a ser um dedicado atleta, tinha menos de dois meses para treinar, conheci outros candidatos, passamos a treinar juntos. Corríamos e saltávamos por todas as ruas, cada vez mais... Chegado o dia, passamos nos exames, confesso que até com facilidade, pois tínhamos aquilo que mais era necessário: RAÇA, FIBRA e MORAL, símbolos que aprenderíamos depois que eram imprescindíveis para a formação.
          Recebemos do Major médico a seguinte afirmação: “Dia 10 de janeiro, todos os aprovados deverão se apresentar defronte ao quartel, pronto para embarcarem para o Rio de Janeiro”. Bateu o desespero...
 
 
Capitulo III
 
Rio de Janeiro
 
          A viagem durou por mais de 24 horas. Designaram um sargento para que, segundo eles, controlasse o pessoal quando do percurso, eram próximos de quarenta gaúchos, do interior e capital. Em Joinvile, Santa Catarina, embarcaram mais nove, e, em Curitiba, no Paraná, trinta e um homens, tão assustados como nós, assentaram-se nos bancos vazios e fomos parar defronte ao quartel do BLOG Pqdt, na Vila Militar, no então inédito Rio de Janeiro, pois jamais um nós havia pisado em terras cariocas, quiçá, alguns teriam saído do próprio Estado.
          Fomos recebidos por uma comissão, qual ditava nossos nomes, e junto a ela, apresentavam o número de identidade e o local onde iríamos servir. Havia um grupo de gaúchos, no outro ônibus, já designado para o 25º Batalhão de Infantaria Paraquedista; outro grupo iria servir na Companhia de Comunicações; outro menor para o Batalhão Logístico, mas o nosso ônibus, fretado da Empresa Itapemirim, havia de ir para o 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista.
Éramos oriundos do III Exército, descobri, e não havia mais, outros viriam de Minas Gerais para o Grupamento de Artilharia e os cariocas, fluminenses e capixabas iriam somar com a gente. Muito sofremos, muito ralamos, fomos humilhados, apanhamos de pára-quedistas antigos, na serra de Madureira dos integrantes do 26º Batalhão de Infantaria, o Santos Dumont, Batalhão de antigos, sedentos por nós...
          Após a brevetação, tudo mudou, éramos tratados como iguais, estivemos em instruções juntos, “ombro-a-ombro”, principalmente no Curso de Formação e Cabos, contudo, a minha vida, no Rio Grande do Sul, me esperava, meus pais me aguardavam, era eu o único a seguir a tradição familiar... voltei... .Vim para casa... Venci!
 
Capitulo IV
 
O empresário
 
          De pronto, era eu um reservista, militar reconhecido como valoroso por meus comandantes, amigo dos meus pares, e respeitado por meus subordinados, ganhara de meu comandante de Companhia uma carta de recomendação, que privilégio! Geisel era o nosso Presidente da República, iniciava-se a abertura democrática... Decidi seguir minha missão familiar. Pelos conhecimentos adquiridos e pela vivência com outras pessoas, passei a desenvolver projetos na área de envalasamento e distribuição dos sucos e vinhos, produzidos na própria chácara de meus pais e, com o trabalho em equipe dos vizinhos, era eu um empresário, um industrial como dizem, um vencedor. Constituí família, minha esposa, Maria Célia, nascida na Cisplatina, mas com o coração brasileiro. Amante da boa cozinha e prendada à extrema. De nosso amor nasceram duas prendas, que, dedicadas, formaram-se a mais velha em Direito e a mais nova em Administração de Empresas, ambas já voltadas para assumir o patrimônio que tinha conquistado, pois, profissionalmente, Venci!
 
 
Capitulo V
 
Do Desfile
 
          No dia 7 de setembro de 2008, uma manhã cinzenta e fria, a temperatura não passava dos 8 graus, a sensação térmica estava em cinco, mas minha expectativa já não me fez dormir à noite passada, acordei às 5 horas, cada passo me vinha um filme... As amarras de meus sapatos marrons faziam-me reportar àqueles momentos no 27º BIPqdt, quando, defronte ao espelho do banheiro, após ter feito a melhor barba de minha vida, passei a ajustar a gravata vermelha, idealizada pelo Freire, na minha opinião, poderia ser substituída por um lenço gaúcho, mas representava minha vida profissional, minhas realizações e a cor de sangue representava a igual dedicação pela Brigada e pela Empresa. Lembrava-me de que ao tratar meus funcionários, ao resolver os conflitos, usava muito da mística pára-quedista, pois sob as varas verdes golpeando minhas costas no TIBC, em Gericinó, soube controlar minhas emoções, quão fácil era aplicar os ensinamentos na empresa. Ao colocar meus óculos, me veio à mente de que formei duas filhas, as preparei para a vida, dei-lhes conforto e condições para o estudo, contudo sequer passei do Curso Técnico em Contabilidade, curso este que me levaria ao Oficialato, mas o bastante para a realização profissional. Os óculos tive que tirá-los, pois a emoção de colocar novamente minha boina grená marejaram meus olhos de tal forma, que embaçaria as lentes. Lágrimas escorreram, estava eu novamente Paraquedista, era eu mesmo naquele manto negro, de pés marrons e brevê prateado, indo para a missão mais importante de minha vida: voltar a ser um guerreiro alado, sem armas ou munição. Sabia que haveriam de estar esperando por mim um par de veteranos, confesso que alguns eu nem conhecia... mas fui!
          De minha casa até o local da concentração fui a pé, desfilando aquele uniforme, destacado na multidão pela boina vermelha, os presentes olhavam e comentavam... não mais me sacaneavam, nem riam de mim... já não era mais um “velho louco” era um PARAQUEDISTA...
Cara, voltei a ser PQD!
          As pessoas fardadas me prestavam continência como se venerassem aquele símbolo maior, que diferencia uma tropa de outra. Boot marrom fuzileiro naval tem, Para-Sar tem, mas a boina vermelha é NOSSA!
          Ao encontrar-me com o grupo, abraços e apertos de mão, junto a nós estavam os Fuzileiros Navais Veteranos, que em sua farda, encolhidos pelo efetivo, chamei-os para a foto mista, lágrimas e sorrisos ocorreram de todas as partes... Militares da ativa e reserva de todas as forças estiveram junto ao grupo, até atletas olímpicos fotografaram conosco, disseram: “Vocês são os verdadeiros atletas”, emocionado chorei...
        Mas os momentos que haveria de vir, seriam inesquecíveis, pois aqueles 3 Km de marcha, aplaudidos por todos, observados pelos militares de escolta e comentavam: "Caraca! Veja os pára-quedistas!”. Foi o primeiro contato da tropa com o povo gaúcho, uma torcida maior que a população da maioria dos municípios brasileiros. Quando da entrada na reta dos palanques, estava lá o General Comandante Militar do Sul, um pára-quedista militar, que disse ao nos ver: “Governadora, estes são os meus pára-quedistas!” - A banda de música trocou os acordes de marcha para o refrão do Eterno Herói, foi a maior emoção de minha vida. Minha família estava no palanque e gritavam por meu nome, meus netos gritavam: “Olha lá o Vovô!” Tão emocionados quanto eu. Minhas filhas deixaram do assento e, acompanhando o desfile ao lado e quando da dispersão, me abraçaram e me beijaram, pedindo desculpas por não acreditarem em mim e que, a partir daquele momento, gostariam de me chamar de PQD. Mais do que o reconhecimento, acreditei que minhas lembranças sairiam do baú e que minha boina jamais voltaria para o fundo da gaveta...
          No almoço, após o desfile, em meio às homenagens, estavam Paulo Fagundes, Nilo Moraes, Ricardo Freire, Sérgio Chaves entre outros, mas, a pedido do Freire, houve uma homenagem a todos os presentes feita pelo S. Queiroz, vindo do Paraná somente para o evento, quando declamou a “Oração do Paraquedista”, onde repetíamos em voz alta, despreocupados com o ambiente, pois quando olhei para o lado, repetindo cada palavra, estavam meus genros, minhas filhas e meus netos, quando lembrei daquele sargento lá atrás... “Quero a insegurança e a inquietação... quero a luta e a tormenta...”.
          Recebi de minha esposa o beijo da realização, vi meus netos posando com aquela boina surrada, mas original, minha família confraternizando com a família dos demais pára-quedistas, mostrando-se interessadas nos assuntos ligados a vida na caserna, o que passamos e ultrapassamos. Para eles era um herói... VENCI!
 
Final
 
Tudo tem seu fim...
 
          Todos aqueles momentos foram mágicos... inacreditáveis... eternos. Cheguei em casa, me despi daquele uniforme aos poucos, devagar, meus sonhos e ansiedades estavam à flor da pele, meu coração batia feliz... Nem me banhei, deitei sobre a roupa de cama, com a boina grená ao lado do corpo, fechei os olhos e dormi... desfaleci... morri.
          Acordei ao lado dos irmãos do condor em uma reunião no Bosque dos Campeões... Lá estavam todos aqueles que, junto a mim, fizeram a nossa Brigada de Infantaria Paraquedista. Eternos heróis, eternos anjos, subordinados a São Miguel dos Arcanjos, com o qual agora devemos proteger e servir aos nossos entes, observando de cima, descendo dos céus quando necessário...
          Minha esposa quando localizou meu corpo sobre aquela manta, deitou-se ao meu lado, colocou seu rosto em meu ombro, não expressou desespero em nenhum momento, e falou: “Adeus, meu velho! Onde tu estiveres, tua pequedete irá te encontrar, te prometo. Amo-te, meu Paraquedista!”
          Fui velado com o meu uniforme, cremado e lançadas as minhas cinzas, do velame do Jacir Ayres, em pleno céu dos Afonsos... VENCI!
 

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