“Um homem precisa ter satisfação naquilo que faz”
Entrevista: Edir Comassetto, paraquedista , policial aposentado e membro do Conselho Deliberativo do GrêmioEdir com seu uniforme de para-quedista
Edir Comasseto caba de voltar de um evento importante: a comemoração do Dia D na Normandia, na França. A data comemora a operação militar realizada pelos Aliados no dia 6 de junho de 1944, quando americanos, ingleses e canadenses invadiram as praias do Norte da França e deram aos nazistas a derrota que levou ao desfecho final da guerra. Esteve lá junto com outros brasileiros que, como ele, são paraquedistas militares. Mas Edir Comassetto é conhecido nesta cidade por outras atribuições. Mais concretamente por duas: ex-comissário de polícia, por 33 anos ajudou a combater o crime numa cidade que tem notórios problemas nesta área. Membro do corpo consular do Grêmio desde 1998, é um dos responsáveis pela intensa mobilização que os tricolores vêm demonstrando nesta década em termos de torcida. Acima de tudo, alguém dedicado à comunidade.
* * * *Voltaste recentemente de viagem até a França, onde se comemorou o Dia D. Como foi o evento?
Edir Comassetto: Foi um momento maravilhoso. Quando chegamos a Caen (cidade do Norte da França, onde houve o desembarque) nos encontramos com veteranos de guerra ingleses, franceses, sendo alguns até mesmo mutilados, sem braços e pernas, mas muito contentes de estarem lá. Fomos muito bem recebidos. Fomos num grupo de cinco pessoas do Rio Grande do Sul, todos pára-quedistas. Nós, paraquedistas, mantemos uma relação muito forte entre nós. Ainda hoje faço parte da associação dos veteranos paraquedistas do RS, em todo sábado de cada mês temos reuniões. Foi fantástico poder participar do evento e conhecer a França. Alias, quando cheguei a Paris e visitei a Torre Eifel não perdi tempo: abri minha bandeira do Grêmio lá em cima da torre. Fui interpelado logo por um policial, mas consegui abrir a bandeira a tempo de tirar a foto (risos).
Tu nasceste no interior, não é? Quando vieste para Canoas?
Edir Comassetto: Sou natural de Lagoa Vermelha e nasci em 1949. O pai era serrador. Família de origem italiana. Trabalhava com corte de araucária. Meus pais se casaram em 1944, em plena guerra. Quando se casaram, disseram para ficarem dentro de casa e não falarem italiano, porque o Brasil era inimigo da Itália e não podiam falar italiano. Dentro de casa a gente falava. Em dezembro de 1958 viemos para Canoas em busca de trabalho. Não tinha mais trabalho, começava a escassear os pinhais, as araucárias e começavam as pessoas a migrarem pras grandes cidades. Morei em vários lugares, inclusive na frente da casa do seu Benjamin Scolari, pai do Felipão. Depois, fui seguir carreira militar.
OT: Foi quando ingressaste na Brigada Paraquedista, não é?
EC: Sim, fui para o no RJ com 17 anos e meio pra servir na brigada paraquedista . Com 17 anos e oito meses me formei paraquedista militar com 5 saltos, 4 de dia e um de noite, com todo o equipamento, numa altura de 450 metros. O paraquedismo militar no Brasil surgiu em 1945, depois da guerra, quando um grupo de oficiais brasileiros foi para os EUA para aprender a formação dos para-quedistas. Os primeiros formados foram em 1945. Em 1967 eu fiz todos os testes , rigorosíssimos. Passando daquele teste tu estás apto para participar de uma guerra. Fazia sobrevivência na selva, que inclui uma série de coisas,como fazer no chão uma cama com folha de bananeira, pau, alimentação com qualquer coisa, aprendes como entrar na selva, enfim, várias coisas.
OT: E depois voltaste para Canoas?
EC: Voltei pra Canoas trabalhar numa firma de estofados enquanto estudava para fazer concurso. Estudei no Maria Auxiliadora, no Carlos Chagas, no Ginásio Vocacional de Canoas, no André Leão Puente. Fiquei 3 anos na firma de estofados. Dia 10 de maio de 1971 fiz concurso na Polícia Civil para investigador de Polícia. É o inicio da carreira na polícia civil, é o primeiro de todos os cargos ali dentro. Depois fui comissário, que é uma espécie de supervisor da delegacia, que coordena tudo. A primeira em que eu trabalhei foi a 1ª. Delegacia, na rua Mathias Velho, com o delegado Miguel Amarantes Sobrinho, que conseguiu me segurar em Canoas, porque eu estava originalmente designado para Santana do Livramento. Depois fui para a 2ª. Dipol, que controlava toda a área metropolitana.
OT: Muitos confundem a atuação das duas. Qual a diferença essencial entre P. Civil e P. Militar?
EC: A PM é prevenção, policiamento das ruas, etc.A Polícia Civil tem como objetivo investigar. A Brigada é para evitar que o crime não ocorra, a Polícia Civil investiga o crime e tenta solucioná-lo.
OT: Em 1971 tu entraste e em 2004, saíste. A situação do crime era uma em 1971, e outra em 2004, não é?
EC: Sim, totalmente diferente. E o numero de policias diminuiu! Veja: quando comecei tinha 40 e poucos policiais civis nas duas delegacias e em 2004, quando eu saí, tinha quatro delegacias, mas tinha bem menos policias. Abriram poucos concursos desde então.
OT: E isso que a população quadruplicou…..
EC: Sim, exatamente. A carência é enorme.
OT: A questão das drogas era menos importante…
EC: Claro, era muito menor. Antes, quando se falava que alguém fumava maconha, era um escândalo. Hoje, a verdade é que a família que não tem esse problema tem de dar as mãos para os céus. eu tive a sorte de ter dois filhos assim. A droga está infelizmente muito presente na sociedade e quem está preso é o cidadão, com cercas altas, vidro, cercas elétricas, etc.
OT: O que impele um policial a todos os dias acordar as 6 da manhã e arriscar sua vida pela população?
EC: É mais ou menos quando me perguntavam se eu não tinha medo de saltar, lá no paraquedismo. Quando eu fui servir minha falecida mãe pegou um terço e me deu um para por no bolso. Então, quando estava no avião, na hora do salto, eu dizia “mãe, me ajuda”. Não tem ninguém que não tenha medo. Quem não tem medo tem problema mental. Só que temos de superar o medo. É preciso superar os medos para alcançar aquilo que se deseja. Quando a gente ia saltar superava o medo. É o mesmo com o policial. Tens de superar o medo. Lá na nossa associação a gente pergunta quantos saltos de noite ou de dia. Aí o cara responde 10 e todos de noite. E a gente diz, como assim? E ele diz: é que eu fechava os olhos quando ia saltar (risos. Lembro de uma vez em que eu estava em casa e ouvi o telefone tocar. A minha vizinha disse que estavam arrombando a porta dela e me chamou. Eu estava em casa de pijama mas mesmo assim fui. Peguei a arma, a lanterna e fui. Cheguei lá e averigüei, e a Brigada chegou logo depois, mas o fato é que eu, mesmo fora do horário, tive de ir até lá. O policial está aí para servir à população. E eu digo que a nossa policia, com todas as deficiências, falta de dinheiro, recursos, é uma das melhores do país.
OT: Como tu defines esses 33 anos de Polícia Civil?
EC: Foi gratificante. Sinto-me gratificado. Eu sou sempre convidado para os eventos de 21 de abril, dia do Policial e sou tratado como se tivesse na ativa. Sou tratado muito bem por lá. O trabalho que nós fizemos lá foi muito bom, ajudamos todo mundo. Eu quase não vou nas delegacias porque me emociono muito com o tratamento que os meus colegas me dão. Eu quase não vou na regional, onde eu trabalhei todo esse tempo, por causa disso. E quando eu saí foi duro. Lutei para não entrar em depressão. A família também auxilia nesses casos. Além disso, tenho minha atividade no consulado do Grêmio. O Irno Bordignon me convidou para trabalhar como assessor do departamento consular. A gente viajava para todo o Sul com os ex-atletas, Luiz Eduardo, Dinho, Tarciso, Alcindo, com carreatas nas cidades, com a finalidade de angariar sócios para o Grêmio. Todas as atividades que eu desempenhei me deram satisfação. Um homem precisa ter satisfação naquilo que faz.
Edir abriu a bandeira do Grêmio no alto da Torre Eifel
OT: Sempre foste gremista?EC: Sim, e nem sei por que, porque meu pai era colorado. Acho que é porque peguei aquela época dos anos 60 que o nosso time era muito forte. O Airton pavilhão eu vi várias vezes, Alcindo, Juarez e outros. Hoje em dia não se vê mais craque aqui no Brasil, só velocistas, jogadores rápidos e sem habilidade Esses dias o Iura disse o seguinte: “se voltassem os milhares de jogadores que estão lá fora, os que estão jogando aqui agora iam tudo para a segunda divisão” (risos).
OT: Já estiveste em quais países com o Grêmio?
EC: No Chile e na Argentina. Estive lá em Santiago no 2 x 0 do grêmio ano passado Na Argentina vi Grêmio x Boca. Foi duro, apedrejaram ônibus, a Bombonera é um estádio que tem aquela aura toda mas é péssimo, é imundo. Apedrejaram nosso ônibus, mas com algumas pessoas foi pior, quebraram vidro. Mas pelo Grêmio fazemos tudo (risos).
A entrevista acima foi concedida em meio a um excelente café preparado por Mari, a gentil esposa do entrevistado, e temperada com a satisfação de Edir Comassetto em falar do próprio passado, o que demonstra, de modo muito claro, ter ele cumprido plenamente a regra-mestra de sua vida que intitula esta entrevista.
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